Maruja Natal e a “Boneca Luminosa”
Em 1940 veio para o "Cine Rex" em Florianópolis (imagem acima) , acompanhada do tenor Fernad Rosel, Maruja Natal . Os
jornais falavam do incrível sapateado de Maruja, uma graciosa estrela
espanhola, cujo alto de sua apresentação era a “Boneca Luminosa”, onde a dançaria surgia no palco com dezenas de lâmpadas elétricas ornamentando seu corpo.
Porém a crítica de um jornal da cidade não foi nada graciosa...
Rosel e Maruja Natal - A extréa
no “REX” dos dois “consagrados” artistas foi aquella desgraça...
“Quem haja lido a propaganda feita por alguns jornaes desta capital as excepcionaes
qualidades artísticas de Rosel e Maruja Natal, cuja estréa se verificou à
noite passada no "Rex". julgar-se-ia em presença de duas verdadeiras
notabilidades que, desgarradas do céo, tivessem sido trazidas “as azas de um
anjo, para fazerem as delicias da nossa culta gente.
Para dar maior vullo ao genio de Rosel, em vez do termo portuguez
"cançonetista" preferiram esses jornaes afranceza-lo para "chansonier".
E para impressionar mais profundamente o espírito dos apreciadores da arte, declarar
que os pés ágeis e mimosos de Maruja Natal, tinham a leveza de dois pássaros a
voar.
Emfim, tanta coisa bonita se disse que nos levou a recordar a extréa no theatro
"Dona Amelia" da maior dentre as maiores bailarinas, Pastora Império a quem os estudantes de Lisboa ébrios de
enthusiasmo, terminado o espectaculo, desatrelaram os cavallos de caleche que a
deveria conduzir ao hotel para, agarrados a lança uns, e fazendo das
capas tirantes, outro arrastarem carro até ao "Franciort".
Afinal, o que se viu no "Rex" foi aquella desgraça...
Um Rosel, dando fifias, acompanhado de uma orchestra com cavaquinho e
violão, sem graça e sem gestos, e uma Maruja Natal desordenada nos sapateados, batendo
as castanholas sem rythmo.
Como numero sensacional, extasiante, luxuoso e bello, estava segundo
esses jornaes. A "Boneca Luminosa”, onde a "consagrada" artista
iria sobresahir, com encanto, entre centenas de luzes, nos colleios
estonteantes de um “ballet”.
Este número foi também aquella desgraça...
Maruja appareceu com um vestido recamado de lampadas eletricas,
cujo-fio-conductor, atravessando
o palco, mais parecia um cabo de amarrar navios, tirando, assim todo o effeito.
Esse facto provocou, como era natural hilariedade na assistencia o que
irritou a Rosel, o qual sem compostura, surgiu no palco, gritando para a platéa:
"Eu sou um "quebrado”...
Entretanto tenho ainda no bolso ou'nhentos mil réis para dar dama que
queira vestir este vestido sob a pressão de 4.500 volts`s!
Nesta altura o mundo foi abaixo...
Assobios, gargalhadas, bater de cadeiras, um inferno...
Ouvindo falar em 4.500 volts, muito embora todos soubessem que a força
em Florianópolis não vai além de 200,
preferiram abandonar a sala de espectaculos, deixando-os ás moscas a ver Maruja
electrocutada...
O que se passou deve servir de exemplo. E' sempre perigoso elogiar,
antes de ver para crer como São Thomé...”
A Noticia
(SC) 27 de Abril de 1940.
Não contente
com as críticas feitas ao espetáculo Rosel enviou uma carta ao
jornal nos seguintes termos:
Carta aberta, dirigida ao Sr Mimoso
Ruiz, diretor da surcursal de “A notícia de Joinville, em Florianópolis, em
resposta ao artigo publicado nesse de 27-4-1940.
“Senhor diretor. Oh! Ironia. E V.S. se chama “Mimoso” quando na
realidade é “monstruoso”, Monstruoso por abusar da digna profissão de jornalista
para difamar indignamente um casal de artistas patrícios que procuram
honradamente ganhar o pão a de seu filhinho, que amanhã irá defender a nossa Pátria.
Quando vejo indivíduo de sua classe, sem coração, sem entranhas, sem sentimento
humano, que, por prazer de fazer o mal, escreve um artigo tão violento inventando
e insultando grosseiramente uma família, fechando para as mesmas as
possibilidades de trabalho em todo o Estado, sem preocupar-se das dificuldades
que já atravessam os artistas na nossa Pátria, duvido que esse carrasco
seja Brasileiro e se por acaso fôsse...
me daria vontade de naturalizar Chinês ou Turco...
Senhor “Mimoso” deixe de prosar sobre Pastora Império y que V.S. nunca
sonhou ver e sobre Lisboa que só terá visto no mapa (se conhece geografia...),
porque se o senhor fôsse pessôa viajada não escreveria tais indelicadezas sobre
uns pobres artistas e se ocuparia, na página do seu jornal, de assunto mais
interessante para seus leitores.
Lendo sua “critica” pouco elegante, cheguei a esta conclusão: que o “ilustre”
sr. “Mimoso” não assistiu sequer ao espetáculo do Rex ou, então, estava sob
qualquer INFLUENCIA que o tirava da realidade, visto que o senhor cita a Maruja
Natal “tocando castanholas sem ritmo”...; e (coisa curiosa!) Maruja, todos os
espectadores sabem, NÃO TOCOU CASTANHOLAS, o que prova que o senhor “Mimoso”
não estava no Rex ou sе encontrava no mundo da lua....
Ainda mais uma prova de que o sr. “Mimoso” não estava no Rex, ou estava
dominado pelas aludidas influências, é que trata de “orquestra de cavaquinho e
violão” o ótimo jazz da Força Pública, Insultando assim a 1°orquestra da
capital.
O senhor “Mimoso” não esteve no Rex para descrever a Boneca Luminosa
atada por um “cabo de navio”, Rosel lançando faiscas incendiárias pelos olhos,
ameaçando a platéia com seus mortais 4.500 volts`s, o público vociferando,
tomado de súbita loucura, dando estrondosas gargalhadas, assobiando, batendo
cadeiras, entim o tal INFERNO da sua Imaginação...
Felizmente, a platéia de Fpólis, é culta, não assobia, não bate
cadeiras, não dá gargalhadas; ao contrário: aplaudiu todos os nossos números, e
se os artistas não fossem do seu agrado ficaria aristocraticamente calada.
O senhor “Mimoso” não foi ao espetáculo do Rex e talvez a nenhum
espetáculo, e não conhece o público de Florianópolis, que é uma das mais lindas
capitais de nosso grande Brasil e não está situada em nenhum país de selvagens,
como o faz sugerir o seu artigo; pois quem o lêr terá uma triste e errada
impressão de Sta Catarina, e, até, medo de vir a este Estado, cuja “elite” (feminina
e masculina) assobia, quebra cadeiras, dá gargalhadas e, num “barulho infernal”,
só imitável por péles-vermelhas, acaba, destruindo e incendiando o Cinema... “Só
porque dois pobres artistas não conseguiram agradar-lhe.”
Desejo muitas venturas a V. S.
ROSEL
E veio a
resposta do Senhor Mimoso, no dia primeiro de maio:
De “chansonier” francez,
transmudou-se em “canconetista” Brasileiro
FPOLIS, 30-O
sr. Hosel, que se annunciára aos quatro ventos como "chansonier” francez,
em "Carta Aberta" por intermedio de "O Estado" refuta a
nossa chronica, declarando-se, preliminarmente, cançonetista brasileiro.
Para
responder-lhe não iremos gastar cêra com ruim defunto. Para ajuizar o que foi o
seu espetaculo, bastará dizer que, annunciados tres espectaculos, foi "uma
noite a Cascaes e nunca mais...”
E o que é
mais; jornaes que haviam posto o "duo” nas hartes da lua, julgaram de bom
aviso nem siquer dizer que tinha havido o espectaculo...
Quanto a não
havermos nem siquer sonhado com Pastora Rojas a "Bella Imperio"; nem
com “Argentinita", nem com a "Furnarina", nem com a Nina de los Peines” não vae ao caso.
Basta que
houvéssemos visto Maruja Natal e Rosel, porque tendo-os visto cessou tudo
quanto a musa cantou, porque outro poder mais alto se levantou...
Quanto a não
conhecermos a capital lusa. O Sr. Rosel tem razão. Ainda outro dia, tendo-nos
alguem pedido que indicassemos com o dedo, no mappa onde ficava Lisboa, nós
apontamos com o “fura-bolo” a Patagonia...
Mas,
deixemo-vos de ironia vamos falar sério.
O sr. Rosel
achou "monstruosa” a nossa chronica Mas, a nossa chronica tinha de ser assim
mesmo. A apresentação de especimens como a "duo" que surgiu no
"Rex" criam no público uma atmosphera prejudicialissima aos artistas
com valor e com merito, porquanto o publico em
presença de tais "pochades", acaba por descrer dos reclamos,
medindo a todos pela mesma bitola.
Fosse p Sr
Rosel modesto, não se empavonando com títulos estrangeirados, nem com contractos
em Nova York, para ludibriar o publico, e nós silenciaríamos como fizeram os
outros jornaes.
Precisamente
porque Florianópolis é uma cidade culta; precisamente porque não é habitada por
"pelles-vermelhas", é que os empresários deveriam ter mais respeito
pelo publico e os artistas o equilíbrio necessário para só se exhibirem em
logares que estejam dentro das suas possibilidades.
A notícia 01
de maio 1940.
Ainda não sei dizer, se houve resposta ou as trocas pelos jornais continuaram, não encontrei mais nada, mas ao ler todas essas informações, achei que o crítico pegou pesado com Rosel, continuei rastreando a Maruja, e fiquei curiosa em
saber também sobre o Tenor, que me parecia tão gentil e educado.
Em 1952 a Associação Brasileira de Imprensa estava realizando
um festival com o Fernad Rosel e a Maruja Natal. Eles se apresentaram também em Niterói
no Teatro Municipal João Caetano, bailarina do Clássico Espanhol. Depois não encontrei mais informações sobre ela, e muito menos da "Boneca Luminosa".
Já o Rosel...
Nos anos 30 ele colocou um anúncio no Jornal dizendo que estava
recrutando moças para um coro. Trabalhou com Guillermo Galindo, Bertha
Noronha, Pierina Leguti.
Em 1938 no Paraná, a troupe de Rosel apresentava um
espetáculo com um artista que se chamava “Marconi Hindu”, o Rei das
Luzes, que apresentava a "Boneca Luminosa", mas também não encontrei, até o momento algo sobre Marconi Hindu. Teria se
apropriado Rosel da Boneca luminosa e estreado em Florianópolis em 1940?
O Jornal Pequeno (PE) em 1948 anunciava que Fernad Rosel o
“Artista Francês” esteve em Rio Grande do Norte, o “Tenor brasileiro, esteve também em
Paramaribo; No Pará, anunciaram que esteve no Peru, Buenos Aires, Canada e EUA.
No “Maranhão em 1949, publicou o jornal o “Artista Cubano”,
“ludibriou”, “maior abacaxi que nos deram para descascar”.
Depois do ocorrido em
Florianópolis Rosel ainda voltou à cidade em 1958 e 1961, mas agora sem críticas
nos jornais. E nos anos 70 ainda veio cantar em um recital no Rio de janeiro. Esse
moço devia ter muitas histórias para contar!
Obs.: Caso queira retirar informações deste blog, por gentileza cite e referencie a pesquisadora deste lindo trabalho: Alessandra Gutierrez Gomes.