terça-feira, 26 de abril de 2022

Isabel Soares - Florianópolis

 



     Foto: Acervo pessoal Isabel Soares.

Quando conhecemos a história das nossas Divas Bailoras brasileiras, compreendemos a construção do Flamenco no Brasil. Suas influências, etapas, estéticas e as escolas, dando uma visão mais concreta dessa arte dentro do nosso território.

Esse texto foi construído a partir de informações cedidas por Isabel, 2020, com o objetivo de que mais pessoas conheçam a sua trajetória artística dentro da História do Flamenco no Brasil, especificamente em Santa Catarina. A sua importante participação na divulgação dessa arte, dessa cultura através de sua docência, estética e poética; seus mestres, onde atuou.                                                                         

Isabel Soares nasceu no interior de São Paulo na metade da década de 40 e em 1979 veio para Florianópolis para ser psicóloga na Eletrosul. A cidade era pequena, apresentava-se nas festas da empresa e nas cidades do interior do Estado de SC (pela Eletrosul).

Nos anos 1980, quando tinha férias da empresa, ia fazer aulas na Espanha na escola Amor de Dios, “era muito difícil, fazia aulas particulares lá” disse ela.

A medida que se apresentava nos eventos em Florianópolis as pessoas a procuravam para saber se ela dava aula, e assim começou a lecionar aulas na garagem de casa, na Lagoa da Conceição.

Isabel afirma que não era artista de palco, “nunca fui muito de palco eu era uma bailaora do povo, dançava nas praças, nas festas de rua, festas populares, desfilava nas festas típicas, a Franklin Cascais[1] que me divulgava.” Dançava em tudo que era lugar, meus amigos diziam; “se tiver uma “luzinha” lá não sei aonde; esta lá Isabel dançando”.

 Em 1995 aposenta-se e abre uma escola na Lagoa da Conceição, passando a dedicar-se integralmente ao flamenco; a Lagoa era um lugar de passagem, a maioria dos alunos era de fora; esteve à frente da Escola por 12 anos. Com quase 70 anos, encerra a escola, e apenas apresenta-se.        

Com Danny Souza aprendeu Sevillanas que era algo novo para ela, era uma mulher muito a frente de seu tempo dizia que nunca teve preconceito fez aula com gente bem novinha.

 Isabel comenta que, quando veio morar em Florianópolis no fim dos anos 70 “deixou família, amigos e veio como uma total desconhecida e começou a mostrar para a cidade de Florianópolis o que era flamenco, as pessoas diziam “você toca aquele chocalho? Não querido aquilo não é um chocalho se chama “castanholas”!


                                                                                      Foto: Acervo pessoal Isabel Soares.

Passou por maestros que também são referências na história do flamenco de São Paulo e do Brasil, como Pepe de Córdoba e Ana Esmeralda, sem contar os maestros de quando ia se especializar na Espanha, privilégio de poucos naquela época.

Na escola de Isabel teve alguns workshops de grandes artistas da cena flamenca como; Encarna Anillo, Andrés Hernández Pituquete, El Torombo,Gabriela Moreo.

 Faz uma participação como bailarina no documentário "Santa Catarina: A história não revelada" 2013 (foto abaixo);Baseado no livro Porto dos Patos, de João Carlos Mosimann, o filme mostra alguns episódios da vida de Sebastião Caboto (1476-1557), o cartógrafo e explorador veneziano que aportou em Santa Catarina em 1526. Foi uma parceria entre a ONG Barra Sul e a Set Cinema e Televisão, com recursos captados pela Lei Rouanet, o documentário tem depoimentos de historiadores e encenações dramáticas. A direção de Liliane Motta Silveira.

 

                                                                                                       Foto: Cassiano Ferraz

https://www.youtube.com/watch?v=opWYlbIhe8E
Isabel dança entre os minutos 2:13 ao 2:43.

Sua história e seus primeiros contatos com a Dança Espanhola e Flamenca

A imigração espanhola a São Paulo aconteceu em duas grandes ondas. A primeira ocorreu no final do século XIX inicio do XX, composta de camponeses destinados a lavoura de café, muitos para substituir os italianos num período em que a Itália proibiu-os de imigrar.

Os espanhóis que emigraram a São Paulo eram originários de diversas regiões, sendo que prioritariamente vinham de Galícia e Andaluzia. A cidade que abrigou o maior número de imigrantes espanhóis em todos os períodos de imigração; “Los españoles formaron parte de este multiculturalismo. En la capital del estado (São Paulo) que acogería aproximadamente al 75% de los que emigraron a Brasil en el periodo 1880-1930”. [2]

É nesse contexto político-social que começou a história de Isabel Soares com a dança, aprendeu as Danças Espanholas ainda criança com a família e em meio aos imigrantes espanhóis em Cafelândia (SP). O seu avô materno Manoel Rodriguez dos Santos, veio da região da Galícia na Espanha para Cafelândia em São Paulo. Dele ela só sabe que cantava canções regionais e tocava a guitarra (violão).

Isabel cresceu com mãe (nascida no Brasil) cantando e dançando, ritmos “primitivos” do flamenco como tanguillos, rumbas, malaguenhas, as zambras e boleros flamenco que era muito lindo e nunca mais ouviu.

O pai ganhava a vida no cafezal e bananal, havia muitas famílias espanholas, também cafeicultores, e era comum unirem-se nos fins de semanas para festas de aniversários, batizados, “uma flor no cabelo, saia rodada, muitas palmas, danças, giros e leques. Não conheci nem o mantón (xale) e nem as castanholas naquela época”.

O pai de Isabel Soares tornou-se um grande fã de Lola Flores[3] naquela época, para ele a mulher mais linda do mundo, ouvia suas músicas no rádio. Tudo influência da mãe de Isabel que gostava muito desse “flamenco antigo, original”.

Os pais a estimularam muito com a dança, uma infância com muitos sarais familiares. Aos 11 anos ficou órfão, foi para São Paulo com irmãos, nunca mais ouviu aqueles ritmos que a faziam dançar.

Aos 20 anos viu uma programação numa escola de dança no Bexiga, São Paulo, estudou com o Pepe Córdoba conheceu outros ritmos mais elaborados e difíceis, mas parou por causa do trabalho e estudo.

Depois, entre a avenida Paulista com a rua Augusta, ouviu uma batida diferente uma senhora Espanhola de uns 50 anos, mas passou pouco tempo, pois precisava trabalhar; o sonho era ir para a Espanha.

Em 1975 foi para Madrid, queria aprender castanholas, mas queria ir para Granada e foi, fez aulas particulares por lá.

 Um Tablao em Florianópolis.

Pelos periódicos não encontramos referências sobre escolas de danças especializadas em Danças Espanholas ou mesmo o Flamenco em Florianópolis antes da chegada de Isabel Soares, a única referencia de algo mais próximo foi uma fotografia dos anos 40 de Albertina Ganzo com suas alunas, (que está nesse blog) e como afirmou a Ponchi Ganzo, em uma entrevista cedida, diz que a mãe até fez coreografias das Danças Espanholas, mas não se dedicava aos ensinamentos dessa modalidade.

Segundo Isabel, com a chegada de professores mais jovens nos anos 2000, com um flamenco mais técnico, sentiu um pouco de estranhamento, era tudo contado os passos; pensava, “eu sei isso, eu aprendi na Espanha; mas não era contado”; aos poucos foi perdendo toda emoção com o flamenco e as novas técnicas que aprendia “com essa gente mais jovem que trouxe o flamenco não sei de onde”, já não conhecia e se reconhecia no seu flamenco de outros tempos.

O relato de Isabel aponta um testemunho da história da evolução da dança flamenca em Florianópolis, no Brasil e na Espanha; dentro da história do flamenco temos aqui um ponto de “mutação, transformação[4]”. Um encontro de gerações e novas linguagens dentro da cultura; Isabel na infância tem o contato com as danças de forma espontânea, natural nas festas e sarais e com a convivência com os imigrantes espanhóis em Cafelândia, vai ter o contato com a dança acadêmica nos anos 60 e 70 em São Paulo. E vai a Espanha no fim dos anos 70 e 80.  Abre seu Tablado nos anos 90.

 “ La mayoría de los expertos de la historia del flamenco coincide en que fue a partir de finales de la década de los 70, cuando un creciente número de músicos de y en torno a la subcultura flamenca comenzó a buscar nuevas formas de expresión musical, motivados por la labor y la fascinación por artistas como Paco de Lucía, Camarón, Morente y Lebrijano[...], no sólo señalaba un cambio radical en la evolución de la música flamenca, sino un cambio cultural en general que avisaba de la nueva relación del flamenco con la sociedad contemporánea y sus tendencias culturales”. STEINGRESS,(2005).

 Quando ela chega a Florianópolis começa a se desenvolver na Espanha uma fase na qual chamamos de Novo Flamenco[5].

O Tablado Flamenco Isabel Soares iniciado na década de 90 (já ministrava aulas anos 80 em Florianópolis) certamente foi à primeira escola dedicada à arte flamenca na nossa cidade, deixando um legado dentro da história do Flamenco em Florianópolis, quiçá Santa Catarina, pois pela empresa que trabalhava levou essa arte a algumas cidades do seu interior.

Isabel desde a sua chegada a cidade de Florianópolis até o encerramento de suas atividades esteve praticamente quatro décadas ensinando a arte da dança flamenca em Florianópolis, a história dessa grande mestra e bailarina precisa ser conhecida, reconhecida!

“Fui para a Espanha muito cedo, trouxe muitos ensinamentos, eu vim aqui desbravar o flamenco, abrir estrada, tenho muito orgulho de sê-la, comecei a ensinar numa garagem, abri um tablado e uma escola de flamenco; eu abri caminhos dessa arte em Florianópolis”.

Olé Isabel, você é luz!

                                                       


                                                                                             Foto: Acervo pessoal Isabel Soares.

[1] Secretaria de Cultura da Prefeitura de Florianópolis.

 [2] CORNER, Dolores Martin Rodriguez in MARTÍNEZ, 2008:372, Cartas de Emigrantes Espanhóis (1911-1930).

[3] "Conhecida pelo codinome La Faraóna, Maria de Los Dolores Flores Ruiz nasceu em Jerez de La Frontera, no dia 21 de Janeiro de 1923. De ascendência cigana, foi uma das mais populares figuras espanholas do século XX. Em termos de comparação, foi tão popular em Espanha como Amália Rodrigues foi popular em Portugal”.

[5] “Quizás serviría comprender el Nuevo Flamenco como el sinónimo de todo aquel flamenco que intenta diferenciarse del modelo tradicional u ortodoxo del mairenismo, creado, difundido e impuesto entre 1955 (cuando Antonio Mairena lanzó su primer LP en Londres) y 1971 (cuando se emitió «Rito y Geografía del Cante» en la televisión española)”. STEINGRESS,(2005).

 


Obs.: Caso queira retirar informações deste blog, por gentileza cite e referencie a pesquisadora deste lindo trabalho: Alessandra Gutierrez Gomes.

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